Um documento datado de outubro de 1196, atualmente na Torre do Tombo, refere que metade da villa Bienfecta - não se sabe desde quando nem como - pertencera a Suário Pedro, pai ou sogro de Pelágio Aries e a sua mulher Lupa Suaris, que a venderam por 72 morabitinos ao cónego Pedro Salvador, capelão da Sé de Coimbra. Este, quatro anos depois, doa o terreno ao Cabido da Sé de Coimbra, estando o registo desta doação também na Torre do Tombo.
“Quando em verdes anos passava os meus três meses de férias na terra natal, quantas vezes olhando do souto do Vale, [...] a casaria disposta em anfiteatro pela encosta do Outeiro, perguntei:
- Quantos anos terá a Benfeita? Quando teria sido fundada?
As casas feitas de pedra da região, raro caiadas e em parte cobertas de laje nada mostravam que fosse uma indicação.”
Mário Mathias (N: 1899; F: 1982)
No Arquivo Geral da Universidade de Coimbra, inserida nos Documentos Latinos, Volume II, existe cópia da primeira carta de foro conhecida da villae rusticae de Bienfecta. O pergaminho, de data incerta (século XII-XIII), fixa os direitos e os deveres dos habitantes e parece comprovar que a outra metade da Benfeita pertencia a Xusana Fernandis.
Esta parte da Benfeita poderá ser a mesma que é posteriormente referida de forma pontual no Livro das Calendas, em que o Bispo de Coimbra D. Egas Fafe (bispado: 1248-1267) ordena que as herdades da Benfeita, do Sardal e da Mata da Margaraça fiquem sujeitas à comemoração dos aniversários quer primeiro pelo seu pai, quer depois pela sua alma e de seus progenitores. Não se sabe como o bispo terá obtido este território. Foi ele que, em 1260, deu foral à vila de Coja, da qual fazia parte a Benfeita, nada referindo sobre esta.
Uma carta de foro de 17 de Maio de 1300, outorga as normas que regiam os habitantes da Benfeita. "E nos davandictos Poboadores, do dicto logar, por nos, e polos nossos sucessores, louvamos e outorgamos e prometemos ã cumprir e a guardar todalas cousas, e cada hua delas, segundo como de suso dicto est." (MATHIAS, 1961: 22). Esta carta nomeia apenas indivíduos pertencentes ao Cabido da Sé de Coimbra, que teve sempre o seu próprio património, e não o bispo.
"E nos davandictos Poboadores, do dicto logar, por nos, e polos nossos sucessores, louvamos e outorgamos e prometemos ã cumprir e a guardar todalas cousas, e cada hua delas, segundo como de suso dicto est." (MATHIAS, 1961: 22)
No dia 1 de Fevereiro de 1345, é feita uma escritura de aforamento na Crasta da Sé de Coimbra, em que aparece uma evocação ao considerável arvoredo existente na Mata de Magaraz. No mesmo pergaminho, constata-se a fundação de duas novas povoações, a de Monte Frio e a da Relva Velha. Esta escritura está de tal forma detalhada que ainda hoje podemos indicar todos os locais referidos com exatidão. Aliás, essa extensão parece corresponder à da atual freguesia da Benfeita.
No “Cadastro da população do Reino" (1527), consta no termo da vila de Coja a existência do lugar denominado bemfeyta onde viviam 18 moradores. Em 1854, Benfeita era dominada pela torre sineira da igreja matriz, tendo do seu lado norte o cemitério. O casario estendia-se apenas pela margem direita da Ribeira da Mata. Uns anos depois, a abertura de uma nova rua, presentemente com o nome de rua António Nunes Leitão, suplantou os terrenos ocupados por milharais, designados por “terras da Mó”. Esta estrada, em poucos anos, foi sendo preenchida com várias habitações. O cemitério, em 1894, cruzou a ribeira da Mata, transferindo-se para a zona da “Corga”.
Em 1931, começou a traçar-se a estrada, que iria pôr fim ao antigo caminho pedestre, no meio de montes e vales, atravessando várias ribeiras e circundando muito precipícios. A distância da Benfeita a Coja que anteriormente demorava mais de 2 horas e meia, passou a durar 15 minutos. A partir de 1955, a povoação expandiu-se para a margem esquerda da ribeira do Carcavão.
No final do século XIX início do século XX, os telhados eram na sua maioria em ardósia. Mas, em meados do século XX, esse aspeto característico das aldeias da Beira Serra, quase tinha desaparecido, inclusive em palheiros e currais preferia-se a telha marselha ou canudo. Tal é confirmado pela apreciação de Alberto Martins de Carvalho no início da década de 1940:
… é povoação bastante desenvolvida e descansa no fundo de um vale.” in “Guia de Portugal - Beira Litoral, Beira Baixa, Beira Alta” (1944)
A eletricidade chegou em 1953.
Conto popular da Benfeita
Na capela de Santa Rita, existia antigamente um púlpito. Um dia veio um frade com umas barbas brancas muito compridas dizer um sermão. Ora, enquanto falava, estava a assistir à pregação um velhote que esteve durante o tempo todo a chorar. No fim, o frade receoso que o homem estivesse a sofrer devido aos pecados que tinha, dirigiu-se a ele e perguntou-lhe:
- Irmão, choras pelos pecados que tens?
Nisto, o homem espantado responde-lhe:
- Não, senhor frade, é que quando olhava para si, recordava-me de um chibo que os lobos me levaram na serra da Picota.
Aquele querido mês de Agosto
Este filme foi por aqui rodado, nestes ambientes e com personagens desta e de outras aldeias. Miguel Gomes, o argumentista e realizador, aborda a realidade estival desta aldeia, quando uma população urbana se radica temporariamente no ambiente natural e cultural deste território.
João Brandão na Benfeita
"João Brandão era um liberal de direita [isto na época das lutas liberais do século XIX], que viria a revelar-se organizador e condutor exímio de operações de contra-guerilha.[...]" Por isso, tinha sempre muitos inimigos, com intenção de matá-lo. No ano de 1852, outro bando de fação oposta tendo à cabeça um indivíduo conhecido por “Ferreiro” tentou liquidá-lo. "Mas, apesar de tudo isto, passado algum tempo, os dois grupos resolveram fazer as pazes – decisão que deveras terá desagradado ao “Ferreiro”, por não ter sido ouvido nem achado. E desagradou-lhe tanto que decidiu continuar a lutar sozinho. [...] E com efeito, tempo depois, o “Ferreiro”, escondido numa silveira atacava João Brandão a tiro, que aliás falhou. [...] João Brandão nessa altura sentiu que corria realmente perigo, visto o “Ferreiro” não desistir. [...] Sucede que, nessa época, o governo estava a ser atacado no Parlamento por causa da insegurança que se vivia por todo o país, especialmente na Beira. [...] Perante isto, João Brandão dispõe-se a colaborar com o ministro e, uma vez regressado a casa, trata de começar a recrutar gente [...]" A operação começa pela busca do “Ferreiro” na zona de Avô. "O bandoleiro, porém, entretanto avisado, pôs-se em fuga para a serra, acompanhado dum irmão [...]» Durante uma emboscada o “Ferreiro” fica ferido, conseguindo fugir, mas precisa de assistência. «João Brandão manda em seguida alguns homens para o Porto Castanheiro e segue com outros para a Benfeita, porquanto seriam essas as terras onde o “Ferreiro” teria maior probabilidade de encontrar barbeiro que o tratasse. Chegado à Benfeita, João Brandão vem a saber que o “Ferreiro” e o irmão se encontravam, de facto, escondidos num palheiro local [...]. João Brandão manda chamar a força que tinha ido para Porto Castanheiro, e inicia o cerco ao palheiro.[...] os primeiros a entrar no esconderijo, dão ordem de prisão ao “Ferreiro” que, aliás, não opôs resistência [...]. Nisto, entra João Brandão acompanhado do “Anjinho”, e este, mal vê o “ Ferreiro”, ferra-lhe um tiro no peito que o matou imediatamente. Este desfecho inesperado, que ninguém pôde evitar, não terá agradado a João Brandão, que queria prender o “Ferreiro” [...]; além disso, ia por certo trazer-lhe complicações com a justiça, pois a responsabilidade do crime iria agora cair-lhe em cima. Como a Benfeita pertencia ao concelho de Arganil – onde João Brandão não dispunha das influência que tinha em Tábua – ainda tentou remediar essa complicação mandando levar o cadáver para fora do concelho. [...] Todavia, João Brandão não conseguiu o que pretendia: o crime iria mesmo ser julgado no tribunal de Arganil [...]
Amândio Galvão